sábado, 27 de junho de 2009

A última crônica...Amo esse texto!



A última crônica

A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica. Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome. Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho - um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular. A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho.

Ninguém mais os observa além de mim. São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "Parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura - ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido - vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso. Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.

Fernando Sabino

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Algumas palavras sobre...êxtase...


Porque tudo que se quer é um Encontro Maior...


Surgindo por detrás das colinas, a lua rodeada por uma nuvem serpentina transformou-se em uma forma fantástica. Ela projetava uma claridade luminosa sobre as colinas, a terra e as pastagens verdejantes, desaparecendo imediatamente por entre espessas nuvens escuras que anunciavam chuva.Durante o passeio, a meditação surgia em plena conversação e no meio da beleza noturna. De uma profundidade incrível, ela circulava interior e exteriormente;ela explodia em expansão.


Estávamos conscientes; aquilo chegava; não se pode dizer que estávamos fazendo a experiência, pois toda experiência é limitada; aquilo simplesmente surgia.Não havia nenhuma participação nisso; o pensamento não podia aí tomar parte, pois o pensamento é tão fútil e mecânico que a emoção não podia estar a isso associada; era verdadeiramente muito vivo e ao mesmo tempo perturbador para os dois. Aquilo surgiu de uma profundidade de tal modo desconhecida que não havia nenhum meio de medi-la. Mas havia um grande silêncio. Era absolutamente surpreendente e completamente incomum.

As folhas brilhavam intensamente sob a ação da lua que, em seu movimento em direção do oeste, inundava de luz o quarto. Até mesmo os latidos altos dos cães não perturbavam o silêncio absoluto da noite. Ao acordar, aquilo se encontrava lá,de uma maneira clara e precisa, e era o despertar que se revelava necessário e não o sono; estava bem decidido que era preciso estar consciente do que se passava,atento com plena consciência de todos os acontecimentos. Adormecido, poder-se-ia confundir tudo aquilo com um sonho, uma ilusão do inconsciente, um ardil do cérebro; mas completamente desperto, essa alteração estranha e desconhecida era uma realidade palpável, um fato e não uma ilusão ou um sonho. Aquilo tinha a qualidade, se é que podemos nos exprimir assim, de imponderabilidade e de força impenetrável.

E no repentino despertar, aquilo lá estava. E juntamente com aquilo surgiu um êxtase inesperado, uma alegria irracional; não havia nenhuma causa para isso,pois isso jamais fora objeto de uma pesquisa ou de uma busca. Aquele êxtase estava presente no novo despertar à hora habitual; ele estava lá e continuou durante um tempo bastante longo.
Krishnamurti


Ao meu redor, há uma dança contínua e turbilhonante de raios coloridos.Cada um é composto de milhões de grãos de areia, onde alguns são de ornobrilhante e outros, de ouro opaco, e eles giram prodigiosamente, em uma louca e feérica sarabanda. Eles se colocam sobre o chão, sobre minha mão, a parede, cada objeto. E o chão, a minha mão, a parede, o objeto, por sua vez, começam a fremir, atremer, a vibrar. Eles também estão tomados de uma histeria luminosa. Eles também se decompõem em todas as cores, todos os matizes do sol. Minha mão não é mais feita de carne humana,imensuravelmente granulosa, mescla de um cinza descorado e um amarelo sujo. Ela se torna uma praia enrugada e rósea, onde brincam miríades de tons sobre os quais corre uma espécie de rio de ouro. Na sombra das árvores ou nos cantos mais escuros do aposento, a luz se insinua, conquista, explode. Sob sua pressão, porções de sombra se iluminam pouco a pouco como versos brilhantes se preparando para nascer Depois, aos poucos, a sombra se enche de um calor vivo.Resta a sombra, mas sombra que respira e convida. Ela é um ventre em trabalho.

Prisioneiros da sombra, uma multidão de corpúsculos se agitam, captam grãos de luz, apoderam-se deles, fazem nos faiscar, depois voltam ao seu nada e, em seguida, retornam à vida ardente e flamejante. E é um combate que não tem interrupção, onde se podem sentir, na sombra que queima, dois exércitos em terrível luta, onde milhares de grãos de poeira passam sucessiva e indefinidamente, no mesmo segundo, da morte mais negra à vida mais brilhante.Sobre cada coisa difunde-se um fluxo de luminosidade. De meus olhos,parece-me, verte-se um outro fluxo dourado. Já não sei mais se a irradiação vem das coisas ou se ela nasce de meu olhar. Estou mergulhado em um banho de sol.Em toda parte e por sobre tudo, chove luz. Entre mim e a natureza, há uma cortina transparente de gotículas douradas. Uma correnteza de mel líquido ensolarado, uma imensa poeira de estrelas.
Rembrandt

Trechos extraídos do livro "Antologia do êxtase"
do grande psicológo Pierre Weil.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Círculo, cor,totalidade..Um pouquinho sobre mandalas











MANDALAS SEGUNDO A ANÁLISE DE JUNG

A expressão mandala provém de uma palavra da língua sânscrita, falada na Índia antiga, e significa, literalmente, um círculo, ainda que também (como composto de manda = essência e la = conteúdo) seja entendida como “o que contém a essência” ou “ a esfera da essência” ou ainda “o círculo da essência”. Refere-se a uma figura geométrica em que o círculo está circunscrito em um quadro ou o quadrado em um círculo. Essa figura possui ainda subdivisões, mais ou menos regulares, dividida por quatro ou múltiplos de quatro. Parece irradiada do centro ou se move para dentro dele, dependendo da perspectiva do indivíduo. É utilizada de modo esquemático e, ao mesmo tempo, pode ser entendida em certas tradições religiosas como um resumo da manifestação espacial do divino, uma “imagem do Mundo”. C. G. Jung assim se expressa sobre a mandala: “A palavra sânscrita mandala significa “círculo” no sentido habitual da palavra. No âmbito dos costumes religiosos e da Psicologia, designa imagens circulares que são desenhadas, pintadas, configuradas plasticamente, ou danças”
Vários autores, entre eles Jung, Chevalier e Gheerbrant, Samuels, Shorter e Plaut, oferecem-nos auxílio para a compreensão da conceituação da mandala, que pode ser compreendida como círculo mágico, símbolo do centro, da meta e do si-mesmo, enquanto totalidade psíquica, de centralização da personalidade e produção de um centro novo nela. Nesse sentido, Chevalier e Gheerbrant explicitam que a mandala é, concomitantemente, a imagem e o motor da ascensão espiritual, que procede de uma interiorização cada vez mais elevada da vida. É ainda através de uma concentração progressiva do múltiplo no uno que o eu pode ser integrado no todo e o todo reintegrado no eu. C. G. Jung recorre à imagem da mandala para designar uma representação simbólica da psique, cuja essência nos é desconhecida. Observou que essas imagens são utilizadas para consolidar o mundo interior e para favorecer a meditação em profundidade.Entre as representações do Self, quase sempre encontramos a imagem dos quatro cantos do Mundo, com um centro de um círculo dividido em quatro. Jung usou a palavra hindu mandala círculo mágico) para designar esse tipo de estrutura, que pode ser compreendida como uma representação simbólica do átomo nuclear da pisque humana.
MANDALA NA VISÃO DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

As mandalas foram conhecidas no mundo ocidental, cristão, somente em época recente, graças ao interesse pela tradição religiosa-espiritual e esotérica sobre o mundo oriental. As pesquisas de Jung sobre o simbolismo das mandalas contribuíram para torná-las acessíveis ao público ocidental. Foi quando se identificou uma relação entre o material espontâneo dos sonhos dos indivíduos que atravessavam crises interiores e os estranhos símbolos encontrados nos desenhos mandálicos.
O tema mandala é observado nas obras básicas e complementares de Jung (1875-1961). Nesse sentido, o fundador da psicologia analítica recorreu à imagem da mandala para designar uma representação simbólica da psique, como, aliás, nos referimos anteriormente.
Chevalier e Gheerbrant observam que o pesquisador suíço e seus discípulos verificaram que as imagens são utilizadas para consolidar o ser interior ou para favorecer a meditação em profundidade. Explicam que a contemplação de uma mandala pode inspirar a serenidade e ajudar a reencontrar um sentido e ordem na vida. Verificaram que a mandala produz o mesmo efeito quando aparece espontaneamente nos sonhos do homem contemporâneo que ignora essas tradições religiosas orientais. Explicaram os autores mencionados, ainda, que as formas redondas das mandalas simbolizam, de maneira geral, a integridade natural, enquanto a forma quadrada representa a tomada de consciência dessa integridade. Em sonhos, o disco quadrado e a mesa redonda podem se encontrar, anunciando uma tomada de consciência iminente do centro. Jung verifica que a mandala possui dupla eficácia: conservar a ordem psíquica, se ela já existe; ou restabelecê-la, se ela desapareceu. Neste último caso, exerce uma função estimulante e criadora.
Diz Jung:
" [...] as mandalas não provêm dos sonhos, mas da imaginação ativa [...] As mandalas melhores e mais significativas são encontradas no âmbito do budismo tibetano [...] Uma mandala deste tipo é assim chamado “yantra”, de uso ritual, instrumento de contemplação. Ela ajuda a concentração, diminuindo o campo psíquico circular da visão, restringindo-o até o centro."
E prossegue:
"Este centro não pensando como sendo o “eu”, mas se assim se pode dizer, como o “si mesmo”.
Embora o centro represente, por um lado, um ponto mais interior, a ele pertence também, por outro lado, uma periferia ou área circundante, que contém tudo quanto pertence a si mesmo, isto é, os pares de opostos, que constituem o todo da personalidade.
E é nesse contexto que Jung, na obra citada, verifica que o centro, primeiramente, pertence à consciência, depois, ao assim chamado inconsciente pessoal e, finalmente, a um segmento de tamanho indefinido chamado inconsciente coletivo, cujos arquétipos são comuns a toda humanidade. Jung utilizou as mandalas como instrumento conceitual para analisar e assentar as bases sobre as estruturas arquetípicas da psique humana. O autor considerava que o comportamento humano se molda de acordo com duas estruturas básicas da consciência: a individual e a coletiva. A primeira se aprenderia durante a vida em particular; a segunda se herdaria de geração em geração.
Green explica que:
" Do ponto de vista psicológico, a mandala se definiria como a estrutura de um determinado comportamento da consciência coletiva do homem. Este se manifestaria claramente quando nossa consciência individual permanece em um estado de semivigília: são mandalas, por exemplo, esses desenhos abstratos que realizamos inconscientemente, numa folha de papel, mesmo quando estamos distraídos, por exemplo, assistindo a uma aula, reunião ou conferência desinteressante, ou simplesmente atendendo um telefonema e em outras situações. Estes desenhos, de uma ou de outra maneira, intentam compensar nossa dispersão mental e ordenar nesse preciso momento nossa existência. Ao analisar estes desenhos, realmente comprovaremos que a maioria estão traçados a partir de figuras geométricas simples, geralmente, um círculo, um quadrado, uma espiral e outras."
Jung observou também que a mandala oferece desenhos pintados, configurações plásticas ou dançadas. De outro lado, como fenômeno psicológico, aparece de maneira espontânea em sonhos e em certos estados conflitivos e até psicóticos. A ocorrência espontânea em indivíduos permite à investigação psicológica um estudo mais aprofundado de seu sentido funcional. Jung ainda sinaliza que a mandala pode aparecer em estados de dissociação psíquica ou de desorientação. E que, quando existe um estado psíquico de desorientação, devido à irrupção de conteúdos incompreensíveis do inconsciente, observa-se tal imagem circular, a qual compensa a desordem e a perturbação do estado psíquico: “Trata-se evidentemente, de uma ‘tentativa de autocura da natureza"
Por isto, Moacanin explicita que Jung observou que as mandalas surgem espontaneamente quando a psique está em processo de reintegração, em seguida a momentos de desorientação psíquica, como fator compensador da desordem. Portanto, Jung entende a mandala como uma tentativa de autocura, inconsciente, a partir de um impulso instintivo, no qual o “molde rigoroso” imposto pela imagem circular com um ponto central, compensa a desordem do estado psíquico. Conclui o autor que a mandala é um arquétipo da ordem, da integração e da plenitude psíquica, surgindo como esforço natural de autocura.
Como já pudemos observar, dentre os arquétipos, o mais importante é justamente aquele que Jung chamou de Self ou Si-Mesmo. O Self expressa a totalidade do homem e aparece sob diferentes aspectos, um dos quais é a mandala. Como vimos, a mandala é utilizada pelos orientais como um meio para favorecer a meditação profunda, a fim de alcançar a paz interior.
A propósito, recordamos, como se indicou anteriormente, que Jung adotou a expressão sânscrita mandala para descrever desenhos circulares que fazia com seus pacientes, associando a mandala com o Self, o centro da personalidade como um todo. Neste contexto, Fincher afirma que Jung, em suas pesquisas, mostrava o impulso natural para vivenciar o potencial humano e realizar o padrão da personalidade genuína. Por essa razão, Jung chamava esse impulso natural de “individuação”.
Na procura de uma relação entre as mandalas do mundo oriental com o ocidental, Von Franz afirma:

" O círculo (ou esfera) como um símbolo do “Self” expressa a totalidade da psique em todos os seus aspectos, incluindo o relacionamento entre o homem e a natureza [...] ele indica sempre o mais importante aspecto da vida: sua extrema e integral totalidade."
Nesse sentido, entre as duas culturas, oriental e ocidental, o círculo de quatro ou mais raios corresponde a um padrão no mundo oriental, ligado a imagens religiosas que servem de instrumento e meditação: círculos abstratos que também representam o esclarecimento, a iluminação e a perfeição humana, e, de outro lado, no mundo ocidental, as mandalas aparecem como rosáceas das catedrais cristãs, e relacionadas, psicologicamente, ao Self como a totalidade, na psicologia analítica.
Tem-se ainda exemplos de mandalas como padrões da totalidade, encontrados, inclusive, na própria natureza, como testemunho de que realmente existe uma unidade que se manifesta em simples relações proporcionais. Essas relações de proporções criam diversos padrões de totalidade fornecendo forma tangível à ordem intangível. Os exemplos na natureza são marcantes, ou seja, podemos observar o padrão de mandala no caule de uma flor, como a papoula, quando aumentamos sua imagem mil vezes, ou nas dicotamáceas, quando as aumentam quatrocentas e cinqüenta vezes, e o padrão de mandala se repete no caule de um lírio, com aumento de cento e vinte vezes. Esse padrão de mandala pode, inclusive, ser visto de forma nítida quando criado em um líquido por vibrações harmônicas.
Podemos afirmar que “as mandalas se encontram igualmente na raiz de todas as culturas e estão presentes em todo ser humano como padrão arquetípico de comportamento
”.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Não somos apenas bonitas...



A mulher e a ciência

Eloi S. Garcia
Inspirado no artigo da argentina Nora Bar publicado no jornal La Nación e reproduzido pelo Jornal da Ciência.
Faço uma reflexão sobre o papel da mulher na ciência. De imediato ficou claro que os problemas da mulher cientista não poderiam ser visto somente sob o ponto de vista de nosso país. A questão não é porque existe um número reduzido de mulheres participativas na sociedade. Na História da Humanidade sabemos de tantos casos onde a participação das mulheres foi marcante e expressiva. Por exemplo, na luta contra o racismo, fascismo e outras discriminações sociais.

A história da mulher na ciência é muito mais antiga do que eu imaginava. Há quatro mil anos a sacerdotisa Em Hedu'Anna, da Babilônia, ajudou a decifrar as estrelas e desenvolver os calendários, tornando-se um símbolo e referência importante para os astrônomos e matemáticos. Durante o século 1, Maria la Hebrea, uma química, deu uma enorme contribuição à ciência biológica inventando, na Alexandria, o tão útil banho Maria.
No século 4, uma mulher grega que vivia em Alexandria chamada Hipatia(figura acima), a mais famosa de todas as mulheres de ciência até chegar Marie Curie no início do século 20, dedicou-se a matemática, astronomia e filosofia. Hoje não resta dúvida de que seus conhecimentos influíram decisivamente o pensamento filosófico do século 18. Hipatia morreu assassinada no ano de 415 dC, a mando de um grupo de fanáticos religiosos devido sua influência na cultura de Alexandria.
Uma bela história é da egípcia Ísis, que deu aos povos do Nilo a escritura e a medicina, mas que também inventou o processo de embalsamamento e a química, e ensinou aos egípcios a agricultura, a navegação e a astronomia. Outros casos interessantes se relacionam com um dos primeiros tratados de ginecologia, que foi escrito por Trótula, uma médica do século 6, a história de Melitta Benz, que inventou, no início do século 19, a cafeteira que leva seu nome e o caso de Mary Anderson que desenvolveu os limpadores de pára-brisas.
De lá para cá, em especial no século 20, as mulheres foram se destacando cada vez mais na ciência. Em 1903, no segundo ano de sua criação, o Prêmio Nobel de Física foi entregue a uma mulher, Marie Curie, e a seu marido, por seus estudos sobre radioatividade. Em 1911, ela ganhou sozinha mais um prêmio Nobel, desta vez de Química, pela descoberta dos elementos rádio e polônio.
Acredito que o esquecimento da mulher na ciência foi criado durante séculos e os historiadores, voluntariamente ou não, ocultaram a presença das mulheres nas atividades cientificas. Talvez por desconhecimento, talvez por receio ou mesmo pelo machismo impregnado na cultura humana. O fato é que a história pouco valoriza a mulher cientista.
Quando olhamos os números da história aparece à verdade nua e crua: 29 mulheres (das quais somente dez se dedicavam às ciências) entre 300 homens ganharam o prêmio Nobel desde sua criação em 1901. A Academia Brasileira de Ciência tem inúmeras acadêmicas, cientistas excelentes com alto impacto no campo em que trabalham, mas somente pouco mais de 10% de seus membros são mulheres. Certamente não é por falta de talento. Esta discrepância não parece estar baseada na produtividade, significância do trabalho ou outras performances profissionais da mulher.
Lembrei-me de uma história interessante que conhecia sobre o observatório astronômico da Universidade de Harvard, um dos mais importantes do mundo. No final do século 19, Harvard queria desenvolver um sistema de classificação das estrelas. Entretanto, devido ao baixo orçamento existente na época para a realização da tal tarefa, foram contratadas mulheres físicas Anna Palmer, Williamina Fleming, Antonia Maury, Annie Cannon e Enrietta Leavitt, por terem um salário menor do que dos homens. O trabalho era baseado em cálculos complicadíssimos e os salários destas mulheres eram equivalentes aos de operários de obra. Pois bem, o sistema revolucionou a astronomia. Cannon desenvolveu um sistema de classificação de estrelas que foi adotado como padrão pela União Astronômica Internacional. Leavitt descobriu as estrelas variáveis que lhe deu o Prêmio Nobel de Física em 1925.
Entre os nomes mais injustiçados da ciência está o de Rosalind Franklin, a especialista em raios-X , associada ao descobrimento mais importante do século 20, a estrutura em dupla hélice do DNA. Suas fotografias chegaram às mãos de James Watson e Francis Crick sem o conhecimento da autora e possibilitaram Watson, Crick e Maurice Wilkins a receberem o Prêmio Nobel em 1962, quatro anos após a sua morte. Franklin, apesar de seu papel fundamental nesta descoberta, até recentemente, não tinha o seu nome envolvido nas histórias do descobrimento do DNA.
São tantos os casos de mulheres cientistas que realizaram trabalhos e descobriram coisas importantes nos últimos séculos mas, apesar da relevância de suas atividades, ainda permanecem quase invisíveis perante a história da ciência. Ou seja, o talento por si só não determina o sucesso científico das mulheres. As mulheres têm que publicar três vezes mais do que os homens para ter o mesmo grau de sucesso.
O que mais me chama a atenção do motivo desta quase invisibilidade é que um número grande de mulheres tem se dedicado à ciência em todas as áreas e sem dúvida são poucos nomes que conhecemos. O problema da mulher na ciência está enraizado na cultura machista da Humanidade. A comunidade científica não foge disto, infelizmente.
Talvez no fundo seja devido ao nosso sistema educativo e as expectativas que se criam em torno da mulher. Esta cultura está impregnada na sociedade, entre os homens, mas também entre as mulheres. Lembramos que recentemente os jornais têm anunciado que no Brasil as mulheres chegaram ao século 21 com escolaridade superior à dos homens. As estatísticas refletiam no aumento da participação feminina na produção científica nacional: elas já eram maiorias nos cursos de graduação e no mestrado.
Ou seja, a “feminilização” da ciência vai ser uma questão de tempo em nosso país. Isto está correto. A ciência pertence a toda a Humanidade e transcende a barreira do sexo. Homens e mulheres compartilham uma linguagem e possuem objetivos comuns para buscar a verdade e revelar os mistérios da natureza.

* Eloi S. Garcia é pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz, ex-presidente da Fiocruz e membro da Academia Brasileira de Ciências

E nós, que nos achamos tão sensacionais...


Por um momento, imagine a grandeza do Cosmos. Estimam os cientistas que, há quase 14 bilhões de anos, houve uma explosão de luz e nasceu o nosso Universo. A ciência chama a isso de Big Bang. Para os espiritualistas, ali está a presença de Deus, criando todas as coisas, pronunciando as doces palavras: Que se faça a luz! E a luz se fez: bilhões e bilhões de sóis passeiam, solenes, na sinfonia dos mundos. Em torno desses sóis, trilhões de planetas, satélites e asteróides executam a dança silenciosa das harmonias celestes. Giram planetas sobre si mesmos. Giram em torno de sóis. Giram os sóis e seu cortejo acompanhando o caminhar das galáxias. Ritmo e graça em toda parte. Aqui e ali, um cometa – asteróide obscuro – se aproxima de uma estrela. E de repente é invadido pela luz. Eis que se acende inteiro, como um fósforo cósmico. Então se vai, arrastando sua cauda de poeira e gás, a semear a vida pelos mundos. Mas, em um desses trilhões de planetas, sob a luz amarela de um sol, os moradores de um certo planeta - a Terra - se orgulham de ser maiores que os demais. Vista do espaço, a Terra é um pequeno grão de areia, lindo, que passeia seu azul pelo espaço infinito. Mas seus habitantes são como crianças: brigando sempre, acreditando-se senhores da vida, donos dos céus. Ah, se pudéssemos nos ver no conjunto do Universo, minúscula gota no grande oceano da Criação! Certamente seríamos mais humildes. Não daríamos tanta importância aos pequenos problemas do dia a dia. Talvez fosse mais fácil perdoar, esquecer, apagar as mágoas. Se víssemos nosso Mundo como translúcida bolha de sabão que flutua em meio ao pontilhado das estrelas, quem sabe aprenderíamos a reverenciar mais a obra Divina.

Como Deus nos fala?






“Alguns guardam o domingo indo à igreja
eu o guardo ficando em casa
tendo um sabiá como cantor
e um pomar por santuário.
Alguns guardam o domingo em vestes brancas
mas eu só uso minhas asas
e ao invés de repicar dos sinos
da igreja
nosso pássaro canta na palmeira.
É Deus que está pregando, pregador admirável
e o Seu sermão é sempre curto
Assim, ao invés de chegar ao céu, só no final
Eu o encontro o tempo todo no quintal.”

Emily Dickinson
Poetisa americana do século XIX, em toda sua vida, não publicou mais do que dez poemas, algumas vezes anonimamente, e teve sua numerosa obra reconhecida só após a morte. Sua vida discreta e misteriosa desafia até hoje os estudiosos de sua obra. Sua poesia possui uma liberdade sintática única, é densa e paradoxal como sua vida. Em sua enigmática literatura, criou um idioma poético próprio, desprezando as fórmulas ou a regularidade convencional.
Fonte:www.wikipedia.org


O último discurso
de “O Grande Ditador”
Filme de Charles Chaplin
Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar – se possível – judeus, o gentio... negros... brancos.
Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo – não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades.
O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódio... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.
A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloqüente à bondade do homem... um apelo à fraternidade universal... à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhares de pessoas pelo mundo afora... milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas... vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: “Não desespereis! A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia... da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.
Soldados! Não vos entregueis a esses brutais... que vos desprezam... que vos escravizam... que arregimentam as vossas vidas... que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão! Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar... os que não se fazem amar e os inumanos!
Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas está escrito que o Reino de Deus está dentro do homem – não de um só homem ou grupo de homens, ms dos homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder – o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela... de faze-la uma aventura maravilhosa. Portanto – em nome da democracia – usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo... um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.
É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!
Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontrares, levanta os olhos! Vês, Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo da treva para a luz! Vamos entrando num mundo novo – um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!